A VIDA DE UM LEITOR


A VIDA DE UM LEITOR

Sempre gostei de ler muito. Quando eu pegava em um livro, sonhava, ficava imaginando as viagens tudo  o que eu via nas palavras, o misterioso mistério dos símbolos. Pegar em um livro, ler, ir sonhando por meio de letras, palavras, vírgulas, pontos e parágrafos. Uma viagem milagrosa sem sair do lugar. Lindo mesmo.
Não me lembro qual livro li primeiro, mas nas cartilhas de infância, as palavras com seus caminhos complicados já me fascinavam. Depois entrei para assistir filmes, mas minha vocação mesmo era a leitura. Leitura silenciosa, em casa, nos meus lugares. Na faculdade, lendo, indo nas bibliotecas, pesquisando tudo. Romances, livros de literatura, contos, livros de ensaios, científicos. Muito mesmo. Nas livrarias, pesquisando, comprando livros na promoção, pois o meu dinheiro era curto, bem mais curto do que a minha vontade de ler. Comprei muitos livros no sebo. Achava melhores do que os comprados em livrarias. Nunca gostei de comprar ou ler livros que estavam na moda, pois me encontrava com aquele tipo de leitor de última hora, aquela pessoa que lia só para dizer que leu. Pois este tipo de leitor não viaja,  não penetra no misterioso mundo das viagens fantásticas da leitura, do sonho de sentir um mundo distante.
Um dia, na televisão, a repórter perguntou ao Ariano Suassuna, da Academia Brasileira de Letras, se ela conhecia a Espanha. E ele respondeu:
- Conheço pelos livros, quando quero visitá-la, pego um livro de Dom Quixote de La Mancha, e faço longas viagens pela Espanha.
Vi que a repórter não entendeu. E jamais poderia entender, pois o leitor é aquela pessoa que só outro leitor compreende.
A poesia que lia era a mesma que era dita nos livros de romances. Não ia direto à leitura de poesia propriamente dita, eu via a poesia na mensagem. Lembro que nos romances de Jorge Amado, sobre o sofrimento dos alugados nas terras do cacau. Eu viajava muito por ali. O escritor sabia fazer suspense, mandava você ir por aí, viajando, contando os mistérios das estradas do cacau, as lutas pela terras, as disputas, os amores, os sofrimentos dos oprimidos. Mesmo nos amores secretos, via-se a poesia contada entre palavras normais. Para mim, a penumbra que era mostrada era um convite à uma viagem pela literatura, eu conhecia o Brasil, a Bahia do século vinte em suas primeiras décadas.
Sentia o cavalo subir as grandes serras, as grandes fazendas. Os mistérios da noite. As tocaias. As lutas pela terra.
Quando os amigos do doutor Virgílio pediram que ele não fosse a cavalo naquela noite, estavam prevenindo-o, pois o coronel Horácio da Silveira encomendara uma emboscada para ele, pois ele descobrira a traição. Mas o advogado foi assim mesmo, ele estava com muita saudade de Ester que havia morrido. Por isso, enfrentou a tocaia. E a noite de luar favorecia tudo.
Também Margot, cantora de boate, partira, pois o cacau caíra de valor, e fora no navio para outras terras. Insistira com o capital João Magalhães, mas ele estava apaixonado por Ana Badaró, aquela que cavalgava que nem homem, em seu magnífico cavalo.
Os tempos eram outros, e as coisas mudaram.
Sempre gostei destas leituras. E quando li a Metamorfose de Franz Kafka, senti outros mistérios, outros desafios e outros tempos. O homem se transformara em um monstruoso inseto, em uma barata. Fora o grande suspense.
Em João Cabral de Melo Neto li pouco. Mas o suficiente para sentir a penetração de sua palavra a favor dos sem terras, do homem oprimido do campo.
“Essa terras em que estás,
Sempre medida,
Não é cova grande
Mas é a medida certa
Que tu querias ver dividida”.
Com a sua bravura de poeta, João Cabral mostra o drama dos sem terras, daquele que luta pela Reforma Agrária